El Capricho: a essência da carne e o respeito pela vida
Por Edgar Santos

No coração de Jiménez de Jamuz, em León, Espanha, há um restaurante que se tornou referência mundial pela forma singular como entende a carne e a gastronomia. El Capricho, de José Gordón, nasceu de forma humilde e transformou-se num projeto que hoje é considerado um verdadeiro templo da carne. A filosofia é clara: respeito profundo pelo animal, ligação à terra e tempo como ingrediente essencial.
“El Capricho nasceu como um humilde merendeiro, onde o nosso trabalho fundamental era vender o vinho que elaborávamos, paixão do meu avô, Segundo Gordón. Fazíamos vinhos da terra, mas também alguns enchidos, tortillas, e assim entrámos de forma muito simples no mundo da gastronomia, até que montámos o primeiro grelhador. Começámos a trabalhar com diferentes carnes e, mesmo numa simples tortilla, procurávamos a excelência”, recorda.
Foi essa busca pela perfeição que os levou a criar os seus próprios animais: “Percebemos que cada animal era um mundo: um dia era bom, noutro apenas razoável, noutro dia mau. A obsessão pelo produto levou-nos a começar a ter os nossos próprios bois, a alimentá-los segundo o nosso critério e a sacrificá-los no momento certo.”

O encontro com o boi
A carne de bovino tornou-se o centro do projeto, mas, como explica José Gordón, não foi uma decisão racional: “Não fui eu que decidi, foi algo que senti com muita força. Aconteceu numa viagem à Galiza profunda, numa pequena aldeia, onde tive o primeiro encontro com um majestoso boi. Impressionou-me a sua nobreza, a paz, a energia. Quando provei a sua carne, percebi que tudo isso estava dentro dela.”
E quando procura o animal ideal, o olhar vai além da raça: “Procuro a morfologia adequada, que permita acumular gordura. Prefiro raças autóctones, que conservam a essência do passado, e animais mansos, de carácter nobre. Se tiverem sido cuidados com carinho, isso também se transmite à carne. Até a história de vida do animal conta.”

A maturação e a experiência
El Capricho é conhecido pelas longas maturações, mas não há fórmulas universais. “A maturação não é um processo padrão. Depende da idade, da raça, da coloração da gordura, do grau de infiltração, do tamanho da peça, até do carácter do animal. É uma aprendizagem longa, de experiência e de tentativa e erro. Quando conhecemos bem o animal, conseguimos intuir a textura da sua carne e definir o momento certo.”

O assador de lenha como ritual
Na cozinha, o assador de lenha é inegociável: “Não concebo o assado de outra forma. A lenha proporciona aromas únicos, carameliza, dá complexidade. Equilibra o sabor da carne com notas tostadas e caramelizadas que nenhuma chapa ou frigideira consegue replicar.”
E acrescenta: “Claro que a técnica é importante: o corte, a espessura, o assado uniforme. Não é o mesmo cortar uma costeleta com um centímetro ou com cinco, o equilíbrio nunca é igual. Tudo isto influencia o resultado final.”

Liberdade e bem-estar animal
Na sua quinta, o princípio orientador é simples: a liberdade. “Para mim, bem-estar é a capacidade do animal decidir o que quer fazer. Às vezes pensamos que deve estar resguardado do frio, mas ele prefere dormir ao relento. O fundamental é dar essa escolha. A isto juntamos uma alimentação natural, sem antibióticos nem anti-inflamatórios. Queremos que a carne seja o mais natural possível.”
Tempo, sustentabilidade e aproveitamento total
O respeito pelo animal também se traduz no tempo dedicado: “Por vezes um boi permanece connosco 10 ou 12 anos, e depois a carne ainda é maturada mais três. É uma forma de respeito, de dar uma vida longa. E para sermos sustentáveis, valorizamos cada músculo, cada peça: fazemos enchidos, cecina, cachopo, pratos de quarta e quinta gama. Procuramos aproveitar 90% do animal.”
E sobre o papel da carne numa alimentação ética e sustentável, José Gordón é claro: “Entendo quem questione, porque parte de uma intenção nobre. Mas a morte faz parte da vida. A terra e os vegetais precisam da matéria orgânica para seguir o ciclo. O essencial é criar e abater com respeito. Identifico-me com o conceito japonês de itadakimasu: agradecer pela vida que se entrega para nos nutrir. É isso que procuro fazer com os meus bois, até ao ponto de transformar a gordura em sobremesas ou sabões, como forma de agradecer tudo o que nos dão.”

Reconhecimento e raízes
A fama mundial trouxe distinções, mas também responsabilidades: “Os reconhecimentos representam o prémio pelo esforço e dedicação de todos nós. Sem eles, seria difícil manter um projeto tão exigente. São um estímulo para continuar a construir algo belo.”
Mas, apesar do reconhecimento, El Capricho continua enraizado: “A autenticidade preserva-se com respeito pela terra, pelos antepassados e pela vida rural. Aqui cultivamos, pescamos nos rios, recolhemos o que a floresta dá. Essa ligação direta à natureza é essencial. Sem a terra e sem as raízes, não seríamos o que somos.”
Uma mensagem para Portugal
Ao público português, deixa um apelo: “O caminho da excelência passa pela busca do autêntico, do insólito, do excecional. Projetos assim exigem esforço, generosidade, paixão, constância. Não nascem para ganhar dinheiro, mas para fazer felizes as pessoas. O dinheiro vem depois, como consequência de se ter feito algo único. O objetivo é construir algo belo para o mundo.”

