Preservar o património gastronómico e cultural: uma conversa com a Presidente da Câmara de Miranda do Douro

O concelho de Miranda do Douro, situado no nordeste transmontano, é rico em património gastronómico, material e imaterial. A sua localização geográfica, entre as Arribas do Douro e o Planalto Mirandês, contribuiu para a preservação das tradições e costumes únicos desta região. A gastronomia mirandesa é uma das mais distintas de Portugal, com pratos tradicionais que remontam a séculos atrás e que são um verdadeiro deleite para os sentidos. A par da riqueza gastronómica, o concelho de Miranda do Douro tem também um património material e imaterial notável, como a própria língua mirandesa, reconhecida como língua oficial de Portugal. Para explorar mais acerca destes temas, conversamos com a Presidente da Câmara de Miranda do Douro, Dra. Helena Barril, que nos irá falar sobre a importância do património gastronómico, material e imaterial da cidade e sobre os esforços para o preservar e promover.

Quais os principais recursos gastronómicos do Município de Miranda do Douro?

Tendo em conta que temos no nosso território duas raças autóctones – a raça bovina mirandesa e o cordeiro de raça churra galega mirandesa – podemos, sem qualquer margem para dúvida, apontar estas duas raças como os principais recursos gastronómicos da região.

A longa tradição nos enchidos também é uma marca na gastronomia que é um produto que está na génese do folar mirandês. Em termos de doçaria não podemos esquecer o nosso ex-libris que é a bola doce mirandesa, tão típica da época da Páscoa.

Qual a importância da gastronomia para atrair visitantes ao Município?

A gastronomia assente em raças autóctones, criadas ao ar livre é um selo de garantia da qualidade dos produtos.

Se falarmos da posta mirandesa, do cordeiro assado na brasa, do pão de Miranda, e muito mais, são elementos que fazem parte da identidade do concelho e de atração.

Quais os principais eventos ao longo do ano para promoção da Gastronomia local?

Ao longo do ano a Câmara Municipal promove o Festival de Sabores Mirandeses e a Feira da Bola Doce e coopera com as associações locais das raças autóctones para as respetivas mostras onde apostamos na confeção de pratos em torno das raças.

O Festival de Sabores Mirandeses visa pôr o foco na promoção e venda do fumeiro produzido no Planalto Mirandês e a Feira da Bola Doce tem como produto protagonista a Bola Doce Mirandesa, mas na feira são vendidos outros doces e outros produtos.

Miranda do Douro tem um enorme património genético, toda a gente conhece a Raça Bovina Mirandesa (de onde se obtém a fantástica Posta à Mirandesa), a Raça Ovina Churra Galega Mirandesa. E noutro âmbito o Burro Mirandês e, como não podia deixar de ser, a Língua Mirandesa, a que se deve tamanho património?

Somos um território riquíssimo em termos de Património Material e Imaterial.

A preservação desta identidade chegou aos nossos dias fruto do isolamento de anos a que este território esteve exposto. E temos que valorizar a resiliência, a perseverança do povo mirandês que tão bem soube, ao longo destes anos, manter esta identidade cultural que nos une e nos diferencia. Falar de Miranda do Douro é falar de uma marca de território, à qual associamos sem margem para dúvidas a Posta Mirandesa, as Ovelhas da Raça Churra Galega Mirandesa, o Burro Mirandês, o Cão de gado Transmontano, a Capa de Honras, os Pauliteiros de Miranda e a nossa língua, mesmo nossa, que é a Língua Mirandesa.

O Planalto Mirandês é um local extraordinário, onde a própria paisagem é elemento agregador.

Outros produtos do Concelho são conhecidos a nível nacional. Como os enchidos, nomeadamente as Tabafeias (Alheiras), o vinho, o azeite e mais recentemente ganharam expressão produtos como a Bola Doce que já tem o seu próprio evento. A que se deve tal variedade de produtos de primeira qualidade?

Os produtos de qualidade estão sempre associados a uma abordagem mais artesanal e à promoção que se lhes faz. Daí a aposta que o Município tem feito em grandes eventos como são a Feira da Bola Doce e o Festival de Sabores Mirandeses, porque através destes certames, damos incremento económico aos produtos e dinamizamos a restauração e a hotelaria.

Ao mesmo tempo existe também uma indústria que apoia a atividade agrícola, que condições têm estas empresas para se desenvolverem no território de Miranda do Douro? Há forma de atrair novos negócios nestas áreas?  

A indústria da tanoaria e da cutelaria são indústrias que estão instaladas na aldeia de Palaçoulo, que é, por conta do enorme sucesso dessas unidades, uma grande referência no Concelho e no País.

E, são indústrias que estão associadas à agroindústria e cresceram de tal forma que adquiriram enorme grandeza. Estas atividades estão bem e recomendam-se e souberam modernizar-se e adaptar-se a novos desafios.

Miranda do Douro é muito conhecido do outro lado da fronteira (Castela & Leão). O que se está a fazer para trazer visitantes do nosso lado da fronteira?

Miranda do Douro, sendo uma cidade de “Fronteira”, tem sabido ao longo dos anos tornar-se apelativa para “Nuestros Hermanos”. Miranda cresceu muito economicamente com a vinda e a procura por parte dos Espanhóis. Foram e são essenciais para sustentar o crescimento do comércio, da restauração e da hotelaria.

A “escapada” a Miranda faz parte da vida de muitos espanhóis e nós, enquanto autarquia, promovemos os nossos eventos em Espanha, seja através da colocação de lonas publicitárias, seja através de spots publicitários nas rádios em Zamora e Salamanca.

Temos o rio Douro que nos une cada vez mais e uma identidade cultural que é um enorme elo de ligação.

O mesmo acontece do nosso lado da fronteira, com uma constante divulgação do território nos meios de comunicação social, em outdoors situados em locais estratégicos, como é o caso do que se encontra localizado junto ao túnel de Águas Santas (no início da autoestrada transmontana A24), apostamos também constantemente na divulgação de eventos e promoção do território no vidro traseiro de autocarros que percorrem o país de norte a sul, na rede multibanco, isto apenas para dar alguns exemplos.

O que considera essencial para garantir que esta atração seja sustentada ao longo do tempo?

Com estes povos da raia temos de nos manter próximos e apostar, sempre que possível, em projetos que possam agregar e não separar. A música, a capa de Honras, a capa Alistana, as danças e os eventos que se possam agregar trarão dinâmica a Miranda e levá-la-emos para o lado de Espanha.

O tempo das lendas, como a do Menino Jesus da Cartolinha, que surgiram em períodos de combate pelo território deixaram-nos um enorme legado, mas esses tempos já passaram.

O PNDI e o Parque de las Arribas del Duero são dinamizadores de turismo e de aposta no futuro.

Como imagina o Município dentro de 10 anos? Acha que a perda de população que ocorreu nos últimos 60 anos irá estancar-se por via da valorização dos produtos locais?

O que eu gostava para este território daqui a uma década era termos mais população, e que, nesse entretanto, tivesse produzido efeitos um pacote fiscal diferenciador para o Interior.

Que todo o esforço dos autarcas tivesse surtido efeito num turismo sustentado, de qualidade. Que Miranda continuasse a ser uma referência cultural, sempre sustentada na Língua Mirandesa, nos Pauliteiros de Miranda. Que continuasse a haver nos nossos prados as nossas raças autóctones, que cada vez mais jovens vissem a agricultura como um modo de vida.

O futuro do Interior de Portugal não passa pela vontade dos autarcas, já que esses sei que abraçaram esta missão, querem dar o seu melhor contributo para o crescimento e o futuro dos seus territórios. O futuro destes territórios passa por medidas diferenciadoras a nível fiscal, medidas de incentivo à deslocalização de empresas para estes territórios, benefícios à Natalidade, mas, medidas estas tomadas a partir do poder de Lisboa.

No momento em que quem nos governa perceber que há um interior carecido destas medidas e houver coragem politica, teremos um Portugal mais equilibrado e mais justo.